Ecotrace na Folha, 21 de janeiro de 2021.
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Autor(a): Beatriz Montesanti.
Tecnologias desenvolvidas para o campo estão transformando o agronegócio e têm sido vistas por empreendedores e investidores como o potencial brasileiro em termos de inovação. O avanço da digitalização permeia todas as etapas da cadeia produtiva, da facilitação de crédito para agricultores, ao acompanhamento remoto de lavouras, passando pelo uso de inteligência artificial para a distribuição de alimentos.
O entusiasmo com o setor se reflete nos investimentos feitos nos últimos tempos nas chamadas agtechs, como são chamadas as startups dedicadas a desenvolver inovação para a lavoura. Foram US$ 70 milhões investidos no ano passado em Venture Capital, segundo levantamento da Distrito Dataminer.
Para Bruno Profeta, responsável pelos investimentos no setor na KPTL —hoje são nove agtechs no portfólio da gestora—, o Brasil vive um momento de inflexão, em que o potencial agropecuário já existente é pressionado pelo aumento da demanda por alimentos, forçando o processo de digitalização.
“É uma tempestade perfeita de elementos que criam um ambiente propício para o surgimento das startups: mercado ultra relevante, histórico grande, capacidade de produção de conhecimento específico, e agora temos as ferramentas computacionais que podem ser aplicadas à realidade do campo. É o que aconteceu na indústria há 20 anos, o princípio é o mesmo, uma revolução de informações”, afirma.
Ele também acrescenta a preocupação crescente na sociedade por uma agricultura sustentável. “Fortalecem algumas pautas, como rastreabilidade da cadeia. O consumidor quer ter a informação de como o alimento foi produzido, forçando a necessidade do setor de incorporar soluções.”
No começo do ano, a gestora fez um aporte de R$ 3 milhões na Ecotrace, startup de rastreabilidade de carne bovina, aves e algodão, que atende gigantes do mercado, como a JBS, a Minerva e a Frigo. O sistema, que usa tecnologia blockchain, permite maior transparência ao processo produtivo.
“Esse tipo de tecnologia há seis anos não estava madura, mas hoje eu consigo permitir que o produtor assista ao abate online, por exemplo”, diz Flavio Redi, presidente-executivo da empresa.
“Eu gosto de dizer que a tecnologia é a terceira etapa da construção de confiança. No passado você comprava algo e voltava na venda depois para acertar. Depois vieram os boletos, que te permitem acertar uma conta em 30, 40 dias. Nossa expectativa é que quando as pessoas comprarem um produto com o selo da Ecotrace, vão saber que é confiável, porque acompanhamos todos os elos da cadeia até ele chegar na ponta.”
Outra gestora a se voltar para o setor é a SP Ventures, que surgiu para espelhar o que era então feito no Vale do Silício, mas acabou se especializando inteiramente no que considera a vocação nacional.
Em novembro do ano passado, a SP Ventures fechou um fundo com investimentos das empresas Mosaic e Adisseo que supera o valor de US$ 30 milhões. O objetivo é fazer aportes em startups de agricultura e alimentos em toda a América Latina, que cumpram com os critérios de ESG, sigla em inglês para práticas ambientais, sociais e de governança.
“Conversávamos com empreendedores todos os dias e ficou muito óbvio que essa era a melhor oportunidade para venture capital no Brasil. Somos potência nas principais commodities agrícolas, e a demanda por alimentos vai aumentar muito com o crescimento populacional. O Brasil abocanha boa parte dessa grande demanda, mas precisamos também mudar nossa produção, prepará-la para as mudanças climáticas”, diz o sócio-fundador da SP Ventures, Francisco Jardim.
Em seu portfólio está a Bart Digital, uma plataforma que oferece soluções digitais para o financiamento agrícola.
“O motivo para eu atuar no agro foi o tamanho do mercado e a carência de soluções. Há muitos problemas para serem endereçados e, por isso, muitas oportunidades de ação”, diz Mariana Bonora, presidente-executiva da Bart.
“Eu era advogada e trabalhava com operações de crédito agrícola, mas me incomodava muito com a burocracia, a dificuldade em coletar informações. Quando decidi empreender, comecei a trabalhar como a tecnologia poderia ajudar no processo de financiamento mais rápido”, diz.
A ferramenta viabiliza, por exemplo, a emissão e registros de recebíveis de forma eletrônica, o que permitiu que insumos chegassem ao campo durante a pandemia quando cartórios pararam suas atividades.
“A pandemia impulsionou a digitalização de todos os setores e no agro não foi diferente. O produtor rural não estava acostumado a assinar digitalmente, nem as empresas. Tivemos que fazer também um trabalho de adaptação cultural, de explicar que esse tipo de operação é segura”, afirma.
Outra empresa que também usa a tecnologia para facilitar o crédito rural é a Agronow. A startup faz monitoramento de safras agrícolas a partir de imagens de satélite. São dados como talhões com safras plantadas ou o nível de umidade do solo e que podem ser usados para a análise de concessão de empréstimo.
“Há uma revolução tecnológica no campo que está mudando profundamente o mercado de crédito. Coletamos uma quantidade massiva de dados e disponibilizamos informações mais precisas e seguras. É um risco menor para quem empresta, juros mais baixos para o produtor e, no final da cadeia, eventualmente, custo mais baixo ao consumidor”, diz Rafael Coelho, presidente-executivo da Agronow.
Recentemente, a empresa recebeu um aporte de R$ 4 milhões encabeçado pela empresa de inovação ACE e o BTG Pactual.
Mas enquanto startups são identificáveis por serem negócios com potencial de rápido crescimento, inovação agrícola não funciona no mesmo ritmo. Investidores e empreendedores citam como uma peculiaridade do setor a necessidade de paciência.
“O ciclo de desenvolvimento de escala é mais lento, porque há janelas de plantio, colheita, você não vende o ano todo. O processo de sazonalidade reduz o ritmo de crescimento da empresa”, afirma Jardim, da SP Ventures.
Outro problema, uma constante entre empresas de inovação no Brasil, é a falta de recursos disponíveis.
“Está melhor, mas ainda temos uma escassez de investimento que faz a gente ficar atrás dos EUA, por exemplo, onde as startups têm disponibilidade de recurso maior para ter uma estratégia mais específica desde o início. Nosso fôlego é menor para ousar e testar novas hipóteses”, diz Bomura.
Vice-presidente de vendas e novos negócios da israelense Agritask, Amir Szuster também destaca a importância da conectividade.
“Startups dependem de internet no campo para soluções eficientes. O desafio do Brasil é fazer a inclusão dos produtores pequenos e médios nessa onda de inovação. E este é um tema público, que deve envolver também universidades e governo.”
A expectativa é que o sistema se retroalimente, dizem os especialistas, e mais investidores sejam atraídos conforme empresas vão se consolidando no mercado e servindo como grandes exemplos, aos moldes do que foi o Nubank, por exemplo, para o ecossistema de fintechs.
“Vejo uma mudança muito forte na dinâmica de rentabilidade e produtividade e isso terá mil impactos, desde disponibilidade para consumo maior, a modelos mais justos de trabalho e modelos alternativos produtivos. O futuro vai ser composto por essas soluções mais eficientes e responsáveis e menos agressivas com o meio ambiente”, diz Bruno Profeta, responsável pelos investimentos no setor na KPTL .
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