O que antes era diferencial, agora se tornou necessidade. E a justificativa para os processos de
rastreabilidade ganharem tantos holofotes é simples: o consumidor está cada vez mais exigente em
relação à origem e qualidade dos produtos que consome e as regras de exportação estão mais duras
no que diz respeito a práticas sustentáveis. “A rastreabilidade é um processo contínuo que revela
transparência, visibilidade e boa logística por parte das empresas”, afirma Flávia Ponte Costa, diretora
de educação da Associação Brasileira de Automação GS1 Brasil. “Embora tenhamos avançado, ainda
há muito espaço para aprimorar a prática. O bom é que novas tecnologias, muitas criadas por
startups, têm surgido com esse fim.”
É o caso da Ecotrace, instalada no hub de inovação Cubo Itaú, que rastreia proteína animal, frango,
couro, algodão e grãos ponto a ponto, com tecnologia baseada em blockchain e visão
computacional. Na carteira de clientes figuram JBS, Swift, Seara e Lojas Renner.
“No início, ouvíamos que não valia a pena rastrear porque o cliente não pagava pelo processo”, diz
Flávio Redi, CEO da empresa. “Hoje, se não paga pelo processo não se faz negócio.” A agtech — que
combina gestão de documentos com monitoramento físico — rastreia 40% de tudo que o Brasil
exporta em carne bovina. Os números surpreendem: em sete anos foram rastreados 150 milhões de
aves, 45 milhões de toneladas de algodão e 6 milhões de cabeças de gado.
Estima-se que a solução de rastreabilidade baseada em blockchain na área de agricultura e alimentos
movimente globalmente US$ 948 milhões. “A rastreabilidade é uma ferramenta poderosa para quem
busca produtos de qualidade e se preocupa com a sustentabilidade da produção”, afirma Luiz Franco,
responsável pela área de marketing e inovação da MBRF.
Segundo o executivo, a padronização dos dados entre quem produz, transporta e armazena é um
desafio. “Ainda há muitos registros manuais. O esforço é para que todos tenham o mesmo sistema
embarcado e que os sistemas se conversem”, afirma. “Em dez anos evoluímos o equivalente a cem,
mas ainda há barreiras.” Ele lembra que a Sadia foi a primeira marca no varejo de alimentos à base de
proteína animal a incluir o código numérico GS1 (GTIN/EAN) de maneira integrada ao QR Code no
rótulo das novas embalagens. “Além de disponibilizar a jornada de rastreabilidade, fortalecemos a
interatividade com o consumidor”, diz Franco.
Quem também apostou no código 2D — código bidimensional com capacidade de armazenar mais
informações que o código de barra linear — foi a Vinícola Courmayeur Domaine, de Garibaldi (RS),
com produção anual de 800 mil litros. “Por anos a rastreabilidade ficou restrita à produção, agora
volta-se para fora, facilitando o acesso do consumidor ao histórico completo”, ressalta a enóloga
Talita Verzetti. “O projeto engloba um lote de 4.610 garrafas de espumante, cada uma com um código
de combinação único, que ajuda a combater a falsificação. A ideia é ampliar para os demais lotes.”

A plataforma Natura GIS, da Natura, rastreia a jornada da matéria-prima e conecta 52 comunidades
agroextrativistas — Foto: Divulgação/Natura
Em 2013, quando escolheu trabalhar com biodiversidade, a Natura desenvolveu a plataforma Natura
GIS (Sistema de Informação Geográfica), a fim de rastrear toda a jornada da matéria-prima. “A
rastreabilidade é um pilar estratégico, o que dá transparência à companhia”, diz Mauro Costa, gerente
sênior de relacionamento e abastecimento da sociobiodiversidade. “A plataforma conecta 52
comunidades agroextrativistas de diferentes regiões, trabalha com 33 espécies e 46 bioingredientes.
Ativos da biodiversidade estão presentes em 50% dos produtos da Natura e em 100% da linha Ekos”,
relata. Segundo o executivo, em meio às mudanças climáticas, a rastreabilidade se torna essencial
para previsibilidade de safra, ajudando a programar o abastecimento. “Ganha-se eficiência, os custos
caem e as decisões são mais assertivas”, afirma.
Para José Roberto Prado, vice-presidente do conselho da Itaueira — que produz cerca de 90 mil
toneladas de melão, melancia e pimentão por ano —, o grande obstáculo da expansão da
rastreabilidade é que muitos produtores ainda a enxergam como custo, e não como investimento. “É
preciso tirar proveito da ferramenta para, a partir do histórico da produção, trabalhar de maneira mais
assertiva, diminuindo o risco de prejuízo”, afirma. “Muitos adotam a rastreabilidade apenas para
cumprir a legislação.”
Matéria original do Valor Econômico, acesse aqui.

