Matéria publicada em 13 de novembro de 2024. Acesse a matéria original aqui.
Exigência por rastreabilidade é particularmente forte na União Europeia, um dos mais importantes mercados para produtos brasileiros.
As questões ambientais e de qualidade dos alimentos se tornaram ponto focal do comércio internacional nos últimos anos. Europa, Estados Unidos e Japão são mercados com critérios bastantes restritivos de qualidade, controle de aditivo e matérias-primas usadas no processamento dos alimentos e matérias-primas importadas.
Neste contexto, a rastreabilidade se tornou fator decisivo para o sucesso do agronegócio brasileiro no mercado internacional, especialmente à medida que alguns países tendem a intensificar suas exigências por transparência e sustentabilidade nas cadeias produtivas. O crescente rigor regulatório dos Estados e a demanda dos consumidores por práticas responsáveis, exercem pressão significativa sobre as organizações brasileiras, que devem se adaptar para manter a competitividade global. Deve-se também analisar com cuidado os padrões propostos e indicar, quando necessário, um diálogo sobre eventuais ajustes nas normas. Mas não se pode evitá-las.
Implantar a rastreabilidade é uma tarefa desafiadora e requer investimento, contudo, para minimizar os desafios, é importante que as empresas busquem um planejamento sólido, garantindo que cada etapa da implementação da rastreabilidade seja bem estruturada e alinhada com os objetivos de longo prazo e a atenção aos padrões estabelecidos.
A exigência por rastreabilidade é particularmente forte na União Europeia, um dos mais importantes mercados para produtos brasileiros. O regulamento europeu sobre produtos livres de desmatamento entrou em vigor em 2023 exigindo que itens como soja, carne bovina, óleo de palma, madeira, cacau, café, borracha e alguns derivados – couro, chocolate, pneus ou móveis – sejam acompanhados de provas de origem e certificações que garantam a conformidade com práticas sustentáveis e a ausência de desmatamento.
Essa demanda reflete a crescente conscientização dos consumidores europeus sobre questões ambientais e sociais, pressionando os exportadores brasileiros a adotarem sistemas de monitoramento de origem rigorosos e transparentes.
Outros mercados importantes para o agronegócio brasileiro, como Estados Unidos e Japão, também impõem requisitos rigorosos de rastreabilidade que, nesse contexto, se torna um instrumento essencial para eliminar a assimetria de informações, proporcionando aos consumidores a confiança de que os produtos adquiridos estão em conformidade com os padrões informados. Existe uma tendência de que outros mercados, como a China e a Índia, que já adotam controles sanitários de doenças e aditivos, também comecem, com o tempo, a exigir padrões mais rígidos, o que pode ampliar ainda mais a pressão sobre os produtores brasileiros.
O impacto é grande: dados divulgados pela AGROSTAT (Estatísticas de Comércio Exterior do Agronegócio Brasileiro) até julho de 2023 mostram que as exportações do agronegócio brasileiro para a União Europeia chegaram a US$ 12,9 bilhões, o que representa 13,3% de toda a exportação no período, com destaque para soja (43,6%); café (14%); produtos florestais (12,2%); carnes (5,7%); sucos (5%). Neste cenário, a rastreabilidade pode se consolidar como um fator de diferenciação, fortalecendo a posição do Brasil como um dos maiores exportadores agrícolas do mundo. Mas o contrário pode ocorrer, a falta de rastreabilidade pode ser uma barreira não tarifária, dificultando o acesso a certos mercados.
No Brasil, o desafio de atender a essas exigências é amplificado pela diversidade e complexidade do setor agronegócio e pela infraestrutura de telecomunicações, que em certas regiões limitam o uso de tecnologias de comunicação e coleta de dados, da agricultura de precisão, entre outras. Este desafio deve ser superado via cooperação entre os diversos agentes envolvidos, do Estado aos produtores agropecuários.
As organizações precisam equilibrar a necessidade de atender a esses requisitos com a manutenção da eficiência operacional e da rentabilidade – e é aí que os primeiros obstáculos surgem, como investimentos em tecnologias avançadas e a reestruturação de suas cadeias produtivas. Blockchain – mecanismo de autenticação de dados – é uma das soluções cuja adoção vem sendo explorada para garantir a integridade dos dados ao longo de toda a cadeia de suprimentos.
Além da blockchain, o uso de tecnologias inovadoras, como sistemas de monitoramento automatizado, pode auxiliar na redução desses custos, tornando o processo mais eficiente e acessível, especialmente quando combinado com o apoio especializado e parcerias estratégicas. Entre os pontos que precisam ser observados, estão o fortalecimento do ambiente de controles internos, análise dos riscos operacionais e de processo, estruturas para a gestão de riscos e conformidade da cadeia de fornecimento sustentável, entre outros.
Para atender o pedido de parceiros globais, como o Brasil, a União Europeia adiou o início da Regulamentação de Produtos Livres de Desmatamento – EUDR, na sigla em inglês – que consiste na implementação de práticas rigorosas e transparentes. Caso aprovado pelo parlamento europeu, a regulamentação deverá entrar em vigor a partir de dezembro de 2025 para grandes empresas e de junho de 2026 para micro e pequenas empresas. No entanto, a medida – cujo novo prazo pode dar às companhias brasileiras mais tempo para adaptação –, não deve ser vista apenas como um custo, mas como um investimento estratégico que permitirá ao Brasil continuar a crescer e se destacar no cenário global.
* Carlos Eduardo Vian de Freitas é professor do Departamento de Economia, Administração e Sociologia da ESALQ/USP e Adilson Martins é sócio de Assurance da Deloitte.
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